A luta pelo medicamento da hepatite C

O resultado, a espera, a batalha

Liandro Lindner

 

Antônio Carlos de Souza Del Rey é um sujeito cheio de histórias para contar.

 Nascido em Ubaíra, cidade de pouco mais de 20 mil habitantes no centro sul baiano, achou que a vida deveria ser mais do que isso. Numa noite saiu de casa sem avisar e veio pra São Paulo, ampliou a visão, conheceu um mundo novo, casou-se, teve três filhos, separou, casou de novo, mais dois filhos e hoje, aos 62 anos, esperava uma rotina mais tranquila de vida.

As dores frequentes no estômago faziam crer que era alguma gastrite, que ele tratava com medicamentos que encontrava na farmácia mais próxima. Na medida que elas foram aumentando, aumentava também a intensidade, meio nervoso procurou um médico, afinal o câncer de estômago é algo presente em sua família. Morador do bairro do Butantã, há seis meses foi no posto da USP que buscou consolo.

Filas, espera, exames e veio o diagnóstico: hepatite C.

O susto foi grande e obrigou a dar um mergulho na memória. Viajando mentalmente pela linha do tempo localizou um acidente quando era ainda moleque, há quase 50 anos, que o forçou a passar por uma transfusão de sangue. Na época, o controle da qualidade deste material não era tão rígido e, talvez, esta tenha sido a porta de entrada do vírus da hepatite C.

E agora? Era a pergunta que não saia de sua cabeça. O que fazer? O médico indicou mais exames para ver a situação de seu fígado e uma receita onde aparecia um medicamento de nome esquisito: Ribavirina. De posse do papel ele foi até o bairro do Cambuci, na Farmácia de Alto Custo Várzea do Carmo, tentando encontrar a munição que ia garantir sua saúde e qualidade de vida. Mas a resposta encontrada o deixou mais desconsolado, não havia medicamento a lhe ser fornecido, nem prazo para isso acontecer. Insistindo ele procurou mais respostas, mas elas eram sempre as mesmas: “aguarde que chamamos em 15 dias”.

Assim, os dias se passavam, tornaram-se semanas e daí em meses. Insatisfeito com a demora bateu várias vezes na farmácia, acompanhado da filha Débora. Mas as negativas continuavam. Foi através de uma rede social que a filha conheceu o trabalho do Foaesp e fez contato querendo saber mais o motivo da demora e, principalmente, o mal que isso ocasionaria no organismo do seu pai.

Finalmente no mês passado, uma ligação para o celular de Antônio Carlos anunciou que a ribavirina havia chegado e estava a disposição para ele. Ambos correram ao local e imediatamente ele começou a fazer o uso. No início, os efeitos colaterais foram puxados. Tontura, fraqueza, perda de peso deixavam o baiano radicado em São Paulo desanimado. Mas aos poucos foi se recuperando e inseriu os medicamentos no seu dia a dia.

Agora encara como uma nova fase da vida, onde o cuidado é fundamental, mas não esquece da angústia que passou esperando o remédio que o levaria de novo a uma vida melhor. Assim como ele, centenas, talvez milhares de pacientes de hepatite C vivem esta realidade. A demora na aquisição, distribuição e acesso faz com que a família viva dias de medo, assustada pelo fantasma da morte, principalmente quando ele vem junto com o desrespeito ao acesso a saúde.

Antônio Carlos hoje vive bem com a esposa e os filhos. De longe cuida de sua terrinha lá na Bahia; de perto engole duas vezes por dia a ribavirina suada e segue a vida buscando a paz.