“Apoie, não castigue!” Este slogan é mais conhecido na sua versão em inglês, “Support, Don't Punish!”

(*) Nós, organizações internacionais empenhadas na luta contra o consumo de produtos psicoativos, defendemos este slogan de forma clara e inequívoca a cada 26 de Junho e apelamos a uma reforma profunda das políticas em matéria de toxicodependência que priorize o respeito dos direitos fundamentais e o acesso à saúde.

Hoje mais do que nunca, este slogan revela-se pertinente diante dos efeitos induzidos pela Covid-19. Com efeito, a pandemia levou alguns Estados a abandonar a sua abordagem repressiva das drogas e, melhor ainda, levou outros a inovar nos seus métodos de redução de riscos e de acompanhamento dos consumidores de produtos psicoativos. Efeitos inesperados, mas extremamente bem-vindos, que não só devem ser mantidos, como também generalizados a nível internacional.

Efeitos imprevistos da resposta à Covid-19
A primeira ação que deve ser louvada é a libertação de quase 100.000 prisioneiros no mundo inteiro, uma grande parte dos quais são consumidores de drogas ou pessoas acusadas de delitos menores relacionados com o consumo de drogas. Obviamente, estas libertações foram decididas para limitar a propagação da Covid-19 nas prisões, devido às condições sanitárias existentes pouco confiáveis. No entanto, esta ação ilustra o paradoxo da repressão contra os consumidores de drogas. Não se pode curar um vício com uma pena de prisão. Pelo contrário, a situação agrava-se devido à ausência quase total de acompanhamento destas pessoas na prisão.

A segunda grande ação é a disponibilização de abrigo para pessoas sem domicílio fixo, incluindo os consumidores de drogas. Na França, na Alemanha ou na Grécia, por exemplo, estas pessoas foram acolhidas em hotéis. Esta é uma etapa importante no apoio às pessoas sem-teto que utilizam produtos psicoativos. A garantia de meios de subsistência (habitação segura, subsídio etc.) é um critério essencial na luta contra a toxicodependência.

Finalmente, as ações mais promissoras em termos de saúde e de impacto econômico são aquelas implementadas por certos Estados, a fim de manter e adaptar as suas políticas de redução dos riscos ao contexto pandêmico. Elaboradas nos anos 80, estas políticas consistem na redução dos riscos relacionados ao consumo de drogas para a saúde dos consumidores (redução das infeções, prevenção da mortalidade por overdose, redução dos efeitos indesejáveis de natureza social, médica ou psicológica etc.) e na prestação de apoio psicossocial.

Assim, na França e em muitos países do mundo, desde o início do confinamento, a validade das prescrições de terapias de substituição foi alargada para evitar deslocações desnecessárias ao médico. O equipamento de injeção (seringa de utilização única e kit de injeção) foi distribuído de forma mais ampla para permitir o armazenamento pelo utilizador.

Mas foi na Suíça que foi tomada uma das iniciativas mais inovadoras: este país, pioneiro na redução de riscos, autorizou a entrega a domicílio de heroína medicinal. Inédito! Esta ação foi realizada com um duplo objetivo: reduzir os movimentos de pessoas e evitar os riscos de overdoses, que aumentam num contexto pandêmico devido ao tráfico ilícito mais árduo que oferece produtos de qualidade duvidosa.

A covid-19 destacou igualmente o papel essencial das comunidades na resposta às crises sanitárias. Muito rapidamente, as comunidades de toxicodependentes e os serviços comunitários intervieram em vários países para permitir o acesso dos consumidores de droga aos serviços de redução de riscos, mesmo nas zonas mais isoladas.

Para uma ação em prol de uma política eficaz contra a droga
Estas diferentes ações constituem uma verdadeira política de luta contra a droga, que não condena, mas respeita e apoia as pessoas que consomem drogas. Todas estas medidas excepcionais, tomadas no âmbito da situação de emergência provocada pela Covid-19, deveriam doravante constituir a norma. Estas medidas representam progressos inestimáveis. Abandoná-las seria um lamentável recuo.

Contrariamente às políticas repressivas que não reduziram o consumo ou o tráfico de droga, as medidas de acompanhamento e de redução de riscos revelaram-se eficazes. Na Suíça, o chamado modelo de “quatro pilares” que combina prevenção, terapia, redução de riscos e repressão, mostrou resultados impressionantes tanto em termos de saúde como de segurança: uma diminuição da incidência do HIV e da hepatite viral nos consumidores de drogas; uma diminuição da taxa de mortalidade provocada pela toxicodependência; uma diminuição da criminalidade relacionada com a droga.

Estas estratégias de acompanhamento e de redução dos riscos revelam-se também extremamente eficazes em termos de custos, pois previnem problemas sociosanitários graves, permitem uma melhor gestão do consumo e melhoram a qualidade de vida das pessoas em causa. Os resultados obtidos em experiências com o tratamento de substituição de opiáceos na Indonésia, os programas de troca de seringas na Rússia e a distribuição de naloxona nos Estados Unidos corroboram este fato. Estes programas contribuíram para reduzir o número de sobredosagens, bem como para prevenir novas infecções pelo HIV e pela hepatite, o que permitiu economias significativas no setor da saúde!

Uma oportunidade econômica
Para além da redução das despesas, a reforma da política de luta contra a droga pode oferecer uma possibilidade de relançamento econômico particularmente bem-vinda, uma vez que o horizonte econômico pós-pandêmico permanece extremamente incerto. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) prevê enormes perdas de receitas, estimadas entre 860 bilhões e 3,4 trilhões de dólares até ao final de 2020.

No contexto da próxima recessão, abrir o mercado da cannabis terapêutica não seria uma oportunidade urgente que deveria ser explorada? O mercado mundial da cannabis terapêutica continua a crescer em valor. Na África, o “ouro verde” poderá representar quase 7 bilhões de euros até 2023, enquanto na Europa, a indústria da cannabis já vale mais de 18 bilhões de euros, segundo o gabinete Prohibition Partners.

Antecipando as oportunidades econômicas que o tal mercado pode oferecer, alguns já tomaram a iniciativa de adaptar a sua legislação. Face a um grave sobre-endividamento, o Líbano legalizou a cannabis terapêutica no mês de Abril para impulsionar a economia do país. Dois meses antes, foi Israel, um pioneiro em cannabis medicinal, que autorizou a sua exportação.

Repensar as políticas em matéria de droga é hoje uma necessidade absoluta para a nossa saúde e para a nossa boa convivência. Mas isto só pode ser feito dando prioridade às necessidades dos consumidores de produtos psicoativos, respeitando os seus direitos fundamentais e envolvendo-os sistematicamente no desenvolvimento das estratégias e programas de saúde que lhes beneficiam.

A este respeito, a crise da Covid-19 iniciou um movimento sem precedentes de reformas progressivas, vamos prossegui-lo!

Signatários:
Coalition PLUS, rede internacional de associações que lutam contra a Aids e as hepatites virais, da qual o Foaesp é membro,
International Drug Policy Consortium (IDPC),
Harm Reduction International (HRI),
International Network of People Who Use Drugs (INPUD),
International Network on Hepatitis in Substance Users (INHSU),
Correlation – European Harm Reduction Network (C-EHRN).

(*) Manifesto adaptado ao português do Brasil a partir da tradução do português de Portugal.