por Jorge A. Beloqui (GIV, ABIA, RNP+)

Em 29 de junho, a Gilead anunciou que venderá o medicamento remdesivir por US$ 3.120 para os países de renda alta. Para os países ricos em geral, o medicamento será comercializado US$ 2.340. Esses são os preços para cinco dias de tratamento. Na cotação atual, são cerca de R$ 12.600. O medicamento já está patenteado em diversos países. No Brasil, há patentes pendentes, o que já impediria laboratórios genéricos de entrarem no mercado.

A Gilead já assinou acordos de licença voluntária para fabricantes na Índia e no Egito. Três laboratórios da Índia (Mylan, Cipla e Hetero) anunciaram que venderão o mesmo tratamento por aproximadamente US$ 70. Quase 44 vezes a menos do que o preço nos EUA. A Gilead afirmou que venderá a preços inferiores a países de baixa renda.

Logo no início da pandemia, pesquisadores da Universidade de Liverpool, liderados pelo professor A. Hill, publicaram no periódico British Medical Journal (BMJ), estimativas que o custo de produção para dez dias de tratamento, por pouco mais de US$ 10, já incluindo um lucro de 10% e o desconto dos impostos. E importante ressaltar que a pesquisa deste medicamento não foi dedicada ao Sars-Cov-2, que emergiu recentemente (menos de um ano atrás). Foi inicialmente desenvolvido para tratar a Hepatite C e RSV, um vírus que causa infecções respiratórias. O medicamento também foi testado para SARS e MERS, outros 2 coronavírus diferentes do Covid-19.

O remédio não tem até agora mostrado resultados sobre mortalidade nos pacientes com covid-19, mas diminui o tempo de internação em quatro dias, em média. Ele tem uma autorização para uso de Emergência, expedida pela FDA (Autoridade de Alimentos e Medicamentos dos EUA).

É claro que mesmo sem resultados sobre mortalidade, os resultados do remdesivir são interessantes. Infelizmente, dificilmente o Brasil terá acesso a esse medicamento. O governo dos EUA reservou 90% da produção durante os próximos 3 meses para os EUA. Ou seja, o Brasil, assim como o resto dos países fora das licenças voluntárias da Gilead, deverá esperar. Quantas vidas custará, ou pelo menos, quantos dias a mais de internação significará isto no meio de uma pandemia? Por que não licenciar para vários laboratórios, para produzir para o mundo todo a preços inferiores e na quantidade que o mundo precisa?

Parece que a Gilead está encarando esta pandemia como mais uma oportunidade de negócios: aquela coisa de fazer do limão uma limonada (para a Gilead e seus acionistas, é claro!). E isto com a anuência – silenciosa como sempre – dos governos.

Já a dexametasona injetável mostrou benefício na mortalidade para pacientes graves: 6ml diários por 10 dias. E o preço? Muito baixo! No Brasil há genéricos por pouco mais de R$ 30.

Critérios Médicos para Restringir ou “Priorizar” o tratamento
Aqui no Brasil temos a EC 95, do teto. Surpreendentemente, ela não é utilizada para fazer licenças compulsórias de medicamentos com preços extorsivos! Mas tampouco antes era utilizada para diminuir os preços. Ou seja, por um lado querem diminuir investimentos em saúde, mas por outro querem continuar pagando preços absurdos por medicamentos, às expensas da saúde dos brasileiros.

Sublinhemos aqui uma consequência destes preços: quando o Brasil começou a comprar Sofosbuvir, para o tratamento da Hepatite C, a 10.000 dólares o tratamento, fizeram-se restrições “médicas”, ou seja, protocolos clínicos, que recomendavam tratar apenas pacientes mais graves da doença, uma vez que havia restrições de compra do medicamento produzidas por estes preços. Aí veio o papo de tratar só pessoas com Fibrose 3 ou Fibrose 4. Os pacientes tinham que fazer o exame, que às vezes não estava disponível, para ver se poderiam ter acesso à cura. A solicitação tinha que ir para Brasília, caso a caso, e devia estar corretamente preenchida porque senão voltava sem ser satisfeita, e ia para o final da fila de novo. Aos poucos o preço caiu, e com ele as exigências de exames de fibrose, etc.

Já o Egito optou inicialmente por outro caminho: a patente não foi concedida e por isso puderam produzir localmente, ao preço US$ 300 por tratamento. E não houve restrições “médicas” para o tratamento: tem Hepatite C? Então tratamos já, independentemente de qualquer outro critério. Lançou uma campanha de erradicação logo.

O que fazer?
Durante a Conferência de AIDS, o Grupo ITPC (International Treatment Preparedness, ou Preparação Internacional para Tratamento) realizou uma sessão muito inspiradora. Aqui no Brasil temos o GTPI (Grupo de Trabalho em Propriedade Intelectual, coordenado pela ABIA (www.abiaids.org.br), que trabalha com o ITPC, no marco do projeto Make Medicines Affordable (https://makemedicinesaffordable.org/).

Não queremos que aconteça com uma vacina ou com outros medicamentos, o que está acontecendo com o Remdesivir!

O GTPI está impulsando junto com deputados o PL 1462/2020, para licenciar compulsoriamente todos os medicamentos e vacinas para Covid-19. Por isso:

1. Apoie este PL, marcando o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia nas redes sociais e pedindo que ele coloque o PL em votação;
2. O que você pode fazer a mais? Contate seus deputados, senadores e o Rodrigo Maia e peça para aprovar o PL 1462/2020.