Em pelo menos duas importantes manifestações realizadas em Amsterdam, durante a Conferência Internacional de AIDS (AIDS2018), ativistas brasileiros denunciaram à comunidade internacional o desmantelamento do Sistema Único de Saúde (SUS) pelo governo federal, pediram que a cooperação internacional volte ao País e a aquisição de medicamentos genéricos para o tratamento da hepatite C.
Era pouco mais de 10 horas da manhã de 25 de agosto em Amsterdam, quando um grupo de brasileiros, aos gritos de “vergonha”, percorreu o salão de pôsteres e expositores – estandes de países e da indústria farmacêutica – até o estande do Brasil. Em suas mãos, faixas e cartazes que denunciavam, em inglês, o desmantelamento do SUS em geral, e da resposta governamental à epidemia de aids, promovidos pelo atual governo federal.
As faixas diziam: “30% das pessoas transexuais do Brasil vivem com HIV/aids. Precisamos de uma melhor política de saúde”; “Nos últimos dois anos muitos medicamentos ficaram fora de estoque”, que denunciava a frequente falta de medicamentos antirretrovirais; “O Sistema de Saúde Brasileiro está sendo desmontado”; “A sociedade civil precisa de suporte. São 15 mil mortes ao ano em decorrência da aids. Vocês estão ok com isso?”.

A diretora do Departamento de IST, Aids e Hepatites Virais (DIAHV), do Ministério da Saúde, Adele Benzaken, esperava pela manifestação à beira do estande e ouviu as reinvindicações. O ativista Jorge Beloqui, do GIV (Grupo de Incentivo à Vida), cobrou mais empenho do governo pedindo garantia do acesso universal aos medicamentos para a hepatite C.
“Estamos aqui para protestar principalmente contra a falta de estoques de antirretrovirais no Brasil. Esse assunto tem sido uma preocupação em diferentes estados do País. O governo precisa comprar remédios, inclusive os de cura para hepatite C. Com a chegada do genérico do sofosbuvir esperamos que mais pessoas tenham acesso ao tratamento por um preço menor”, disse o ativista.
Ao longo do trajeto, os manifestantes distribuíram nota pública da Articulação Nacional luta contra a Aids (Anaids), que apontava falhas na atual conjuntura da política de saúde do Brasil. “A situação é emblemática. Estamos enfrentando grande desinteresse, desinvestimento e desmantelamento do SUS, e, de fato, o processo é reforçado pela atual lei aprovada pelo Congresso Nacional (Emenda Constitucional 95), que congela fundos para saúde e educação nos próximos 20 anos. Os fatos revelam quão grave é a crise na resposta brasileira, antes considerada um exemplo da luta contra o HIV para o mundo”, diz o documento.
“Ao mesmo tempo, em muitos países, inclusive no Brasil, observa-se a intensificação da epidemia, agravada pelo avanço das agendas conservadoras e fundamentalistas, que aprofundam a vulnerabilidade e os estigmas sociais. Consequentemente, a população historicamente marginalizada (LGBTI, mulheres, jovens, comunidades indígenas, migrantes, usuários de drogas, profissionais do sexo, moradores de rua, população carcerária, entre outros) tem seu direito infringido e são vítimas de violação diária”, afirma outro trecho do documento.
Em resposta às reivindicações, a diretora do DIAHV explicou que o governo é parceiro da sociedade civil. “Nós esperamos que a sociedade civil possa nos ajudar a lutar para ter produtos genéricos mais baratos e que nos deem sustentabilidade ao Plano de Eliminação da Hepatite C. Como vocês sabem o apoio da sociedade civil é determinante para conseguirmos que o sofosbovir genérico, para tratamento da hepatite c, se torne uma realidade e esteja disponível para todos. Recentemente avançamos nas negociações com a indústria farmacêutica e conseguimos economizar 1 bilhão de reais para compra de 50 mil tratamentos. Gostaria apenas de pontuar que nunca houve falta de medicamentos, o que houve foram alguns problemas no processo de importação e produção de alguns medicamentos que acarretaram atrasos na entrega ao Ministério da Saúde, mas que já foram contornados”, afirmou a gestora.
Ela estava acompanhada pelo diretor-adjunto do Departamento, Renato Girade, e por Gil Casimiro, responsável pela Coordenação de Prevenção e Articulação com a Sociedade Civil.
Alessandra Nilo, da ONG Gestos, salientou que “nos últimos anos vimos a cooperação internacional sair do Brasil. Seria importante eles voltarem com apoio porque as ONG precisam ser fortes o suficiente para seguir dando suporte e fazendo o trabalho de advocacy. É uma oportunidade de mostrarmos a nossa preocupação com a saída da cooperação internacional. É importante que o governo brasileiro também considere a volta do apoio para que possamos avançar com as agendas pela igualdade de gênero e de direitos humanos. O poder público vem tomando decisões erradas em relação as essas agendas”.
A diretora reafirmou que “o Ministério da Saúde tem sido apoiador da sociedade civil, financiamos projetos e também algumas pesquisas pertinentes à sociedade civil. Este chamado continua ativo, com diversos editais de financiamento. Para termos uma sociedade civil ainda mais forte. Então, obrigada a todos, vocês são bem-vindos. Eu espero que  continuemos a trabalhar juntos”.
Durante o protesto, o governo exibiu no estande oficial mensagens informando que “A História do SUS foi, é e será feita pelo diálogo” e “O Ministério da Saúde apoia toda forma de protesto”.
A manifestação durou cerca de 30 minutos e delegações de diferentes partes do mundo pararam para observar a insatisfação dos brasileiros. O protesto foi encerrado no Global Village.
Manobra

Às 13 horas, parte do grupo de brasileiros juntou-se a ativistas internacionais que fizeram um “tour” por estandes da indústria farmacêutica. No estande da Gilead Sciences, os brasileiros denunciaram à comunidade internacional as manobras da empresa, que tem feito pressão para que o Ministério da Saúde continue adquirindo o sofosbovir por ela produzido, pelo qual o Brasil pagou US$ 4,200 o tratamento.

Assista os vídeos da manifestação brasileira em https://youtu.be/wwENY2G8q18 e https://youtu.be/4Cx518yD6Zo