O alto preço de alguns medicamentos faz com que muitas pessoas não tenham acesso a eles. A licença compulsória é uma alternativa que pode salvar vidas e promover a queda dos custos e a equidade no acesso em níveis locais e globais. Preço muito alto teve o medicamento sofosbuvir, considerado revolucionário no tratamento da hepatite C, com cura em 95% dos casos.

O mecanismo da licença compulsória foi feito pela Defensoria Pública da União e organizações sociais em outubro de 2019 para o sofosbuvir. A denúncia foi feita ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), por abuso econômico.

A licença compulsória acontece quando o governo federal autoriza a fabricação local de um produto para ampliar a oferta no Sistema Único de Saúde (SUS) em casos de emergência nacional ou interesse público. A patente do sofosbuvir é do laboratório farmacêutico norte-americano Gilead e o monopólio impede a concorrência, causa preços altos, consequente dificuldade no acesso e perda de vidas.

O sofosbuvir chegou ao Brasil em 2015 com preços abusivos. O custo do tratamento com o medicamento, em um período de três meses, já chegou a custar, por paciente, 84 mil dólares aos cofres públicos. A decisão do governo em tentar negociar com o laboratório já deixou pessoas sem conseguir iniciar o tratamento, sem acesso ao medicamento por 14 meses.

O debate do licenciamento compulsório também voltou à tona diante da pandemia da Covid-19 e é previsto no tratado Trips (Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights), sigla em inglês para o acordo sobre aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio.

O projeto de lei 12/21, do senador do Paulo Paim (PT/RS), está em tramitação no Senado Federal, para suspender a obrigação do Brasil de cumprir seções do acordo Trips, permitindo licenciamento compulsório temporário de medicamentos, insumos e vacinas para o combate à pandemia de Covid-19. Há expectativa para que a votação aconteça nesta quarta (11).

No caso do sofosbuvir, entre 2015 e 2017, o preço do medicamento foi de R$ 252 para R$ 160 o comprimido. Convênio entre a Farmanguinhos (Fiocruz), Blanver e Microbiológica Química e Farmacêutica conseguiu registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2018, para a fabricação do genérico. A produção diminuiria os custos do medicamento, entretanto, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) concedeu a patente para a Gilead.

O primeiro licenciamento compulsório no Brasil aconteceu em 2007, em uma ação também revolucionária para o tratamento da aids. Na ocasião, a quebra da patente do efavirenz, do laboratório alemão Merck, foi um marco “em defesa da saúde pública e da vida”, de acordo com o José Gomes Temporão, ministro da Saúde na época, em declaração ao portal Congresso em Foco.

Temporão explicou ainda que, quando a patente foi quebrada, já existia o genérico produzido na Índia. “Enquanto eu comprava o genérico indiano, a Fundação Oswaldo Cruz, através de engenharia reversa, chegou ao princípio ativo, e o desenvolveu – o que permitiu que, cerca de um ano depois da quebra da patente, verticalizar completamente a produção no Brasil, desde o princípio ativo à formulação final”, disse.

Foto: Peter Ilicciev/Fiocruz Imagens