Na quarta-feira (11), o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 12/21, que permite o licenciamento compulsório de medicamentos, insumos e vacinas contra a Covid-19. A proposta do senador Paulo Paim (PT-RS) altera a Lei de Propriedade Industrial, por conta da emergência em saúde pública, e agora vai para sanção presidencial.

Em entrevista à Folha de São Paulo, o autor afirmou que a medida vai favorecer a produção de vacinas no país. “Há um movimento internacional, e tudo está avançando. O presidente americano Joe Biden foi a público se manifestar apoiando essa ideia. Entidades como Médicos sem Fronteiras e Anistia Internacional, entre tantas outras, OMC, OMS, vão no mesmo sentido. Estamos pensando e tratando da saúde coletiva. O Brasil tem condições, sim, de produzir vacinas e medicamentos sem precisar de depender de outros países. Isso é fundamental”, explicou Paim.

Em até 30 dias, o governo vai publicar lista com patentes e pedidos de patentes e, depois, o executivo terá prazo de mais 30 dias, prorrogável por igual período, para avaliação. Se as empresas não repassarem as tecnologias, poderá acontecer a quebra de patentes.

Rodrigo Pinheiro, presidente do Foaesp, comemora a aprovação da quebra temporária de patentes e ressalta como grande conquista do movimento social, que luta não só pelo acesso à saúde, mas também pela sustentabilidade no acesso ao tratamento.  “A aprovação tem uma participação importante do movimento social. Desde março do ano passado, o Foaesp e várias Organizações Não-governamentais no Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI) discutem sobre projetos de lei com essa finalidade, para a situação da Covid-19, em que vivemos uma emergência de saúde pública”, pontua Pinheiro.

Márcia Leão, Coordenadora Executiva do Fórum Ong aids do Rio Grande do Sul, ressalta o trabalho conjunto e a aproximação da sociedade com o legislativo. “Um marco na democratização do acesso a medicações no Brasil. O PL 12/2021 foi fruto de uma intensa ação dos movimentos sociais e traz como exemplo a articulação e o trabalho conjunto das diversas instituições”, diz. “Foram meses de ação, girando em torno desse e de outros projetos que tinham o mesmo objetivo, propiciar a licença compulsória de patentes nos casos de emergência em saúde. Construímos campanhas, manifestos, encaminhamos e-mails, fizemos audiências públicas, seminários e diversos outros contatos e possibilidades de discussão sobre o tema. Propiciamos que a sociedade se aproximasse do legislativo e do tema do licenciamento compulsório”, acrescenta.

“A aprovação do projeto no Senado foi, sem dúvida, uma vitória dos que defendem a saúde pública e, mais que isso, mostrou a força da sociedade civil organizada. Não se trata de desrespeitar a propriedade intelectual, mas de colocar a vida humana em primeiro lugar”, afirma Beto de Jesus, presidente da Aids Healthcare Foundation (AHF) Brasil.

 

Para ele, “em uma pandemia da magnitude da covid-19, com 566 mil mortos no Brasil, muitos dos quais poderiam ter sido salvos se a vacinação tivesse começado mais cedo, é óbvia a constatação de que os imunizantes e eventuais tratamentos, quando houver respaldo da ciência, são produtos farmacêuticos de interesse público. O avanço só foi possível graças a uma ampla coalizão de entidades não governamentais, que se articularam para pressionar os parlamentares e promover mobilizações nas redes sociais”, explica.

Efavirenz

O movimento Aids é pioneiro no licenciamento compulsório no Brasil, já que a primeira ação desse tipo aconteceu em 2007, com o medicamento efavirenz. Outra luta recente diz respeito ao acesso ao tratamento para hepatite C e o medicamento sofosbuvir, que cura 95% dos casos da doença. O medicamento chegou ao Brasil com preços abusivos e o então ministro da Saúde, Ricardo Barros, não decretou o licenciamento compulsório, tentando negociar com o laboratório. O resultado: muitas pessoas afetadas, impossibilitadas, durante 14 meses, de iniciar o tratamento.

Beto de Jesus relembra o caso do efavirenz. “É um processo de aprendizado que se iniciou em 2007, quando o Ministério da Saúde declarou o licenciamento compulsório do efavirenz, um dos antirretrovirais mais usados até então no tratamento de pessoas com HIV. Foi a primeira vez que o Brasil lançou mão desse recurso legal, permitindo que o Instituto de Tecnologia em Fármacos da Fiocruz produzisse o medicamento a um custo 70% menor em relação ao fármaco original”, explica.

Futuro

Rodrigo Pinheiro destaca o empenho na elaboração, na discussão e na aprovação de projetos de lei desde março de 2020, relembrando o PL 1462/20 junto à Câmara dos Deputados. Agora, com a aprovação no Senado do PL 12/21, a luta continua. “Aguardamos para que o presidente da república tenha sensatez para a aprovação e, caso vete, trabalharemos no Congresso para a derrubada do veto”, diz o presidente do Foaesp.

Márcia Leão pensa nas próximas ações. “A caminhada ainda não findou, falta a sanção presidencial, mas estaremos atentos e prontos para continuar na luta em defesa do acesso às vacinas, medicamentos e outras tecnologias em saúde, para todas as pessoas”.

De acordo com Beto de Jesus, agora, a expectativa se volta para o Palácio do Planalto, uma vez que a matéria segue para sanção do presidente da República. “Inicialmente propenso a vetar a medida, o governo mudou o tom nos últimos meses, certamente pressionado pela CPI da Covid-19 no Senado e pelo clamor de milhões de brasileiros e brasileiras em busca de vacinas”, conclui.

A licença compulsória é uma alternativa que pode salvar vidas e promover a queda dos custos e a equidade no acesso em níveis locais e globais.