Doenças infecciosas afetam mais pessoas negras, não por conta da maior predisposição, mas devido à “desigualdade social que também é racial”. O racismo estrutural, as péssimas condições de vida e as dificuldades no acesso aos serviços de saúde fazem com que sejam altos os níveis de morbimortalidade desta população.
“O racismo institucional constrói barreiras e abismos entre o Sistema Único de Saúde (SUS) e a população negra, o que resulta em piores condições de saúde e uma histórica vulnerabilidade social”, de acordo com o Boletim Epidemiológico Saúde da População Negra, volume 2. 
A publicação, lançada em outubro pela Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde (SVSA/MS), traz indicadores sobre HV/aids, sífilis, hepatites B e C, tuberculose, e outras doenças, e um panorama da vigilância sobre saúde desta população. 
As vulnerabilidades, o estigma, o preconceito e as violências são lembradas por Márcia Tânia Alves, do Grupo de Apoio aos Portadores do Vírus HIV (Gaspa), e que também trabalha com a saúde da população negra em projeto da Secretaria Municipal de Saúde de Araraquara (SP).
“Negros trazem no corpo as marcas. Negro sofre racismo desde a maternidade. Usam menos anestesia na mulher negra que vai parir, pois somos tidas como mais fortes. Quem é seguido nas lojas e nos mercados? Qual população jovem mais morre? É um racismo velado, estrutural, é muito sofrimento. Mas aprendemos a lutar, a brigar, precisamos ser antirracistas”, explicou Márcia Tânia Alves.
Para a ativista, “não é fácil ser negro e negra no país”, citando que a população negra morreu mais durante a pandemia da Covid-19, por exemplo, por conta das vulnerabilidades. A falta de estrutura em alguns equipamentos de saúde, a falta de empatia, o preconceito e a discriminação também afetam a saúde da população negra e também as Pessoas que Vivem com HIV/aids (PVHA).
Elenice Carvalho, também do Gaspa, pontuou sobre a falta de estrutura, tanto na saúde quanto na assistência social, e que muitas vezes há preconceito dentro dos equipamentos.
A ativista contou sobre um episódio marcante durante a pandemia da Covid-19, quando presenciou gritaria e discriminação em um atendimento em uma unidade do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS). “Racismo e preconceito a uma PVHA”, disse.
Um dos pontos abordados na publicação do Ministério da Saúde indica que o correto preenchimento das informações nos sistemas do Sistema Único de Saúde (SUS) é fundamental para o monitoramento dos indicadores e a implementação das ações estratégicas.
HIV/aids
Utilizando notificações compulsórias nos sistemas de informações do SUS, de 2011 a 2021, em casos de aids de acordo com quesito raça/cor, “considerando-se a proporção conjunta de pretos e pardos, observa-se aumento de 12 pontos percentuais na proporção de casos entre pessoas negras entre os anos de 2011 (50,3%) e 2021 (62,3%)”.
De acordo com o boletim epidemiológico, “quando os óbitos por aids notificados no ano de 2021 são distribuídos proporcionalmente por raça/cor, observa-se que entre os anos de 2011 e 2021 houve aumento de cerca de 8 pontos percentuais na proporção de óbitos de pessoas negras”.
Na proporção de casos de HIV detectados em gestantes segundo a raça/cor, “em 2021, houve um predomínio de casos de gestantes com infecção pelo HIV autodeclaradas negras, sendo 52,8% de mulheres pardas e 14,8% de mulheres pretas”.
Sífilis
De acordo com o documento, “a proporção de casos de sífilis adquirida em indivíduos autodeclarados pretos e pardos foi de 50,2% em 2011 e 59,0% em 2021, sendo a proporção em pessoas pardas superior a 40% desde 2016”.
A proporção de gestantes diagnosticadas com sífilis autodeclaradas pardas variou entre 51,6% em 2011 e 56,9% em 2021. “Na proporção de casos detectados de sífilis congênita segundo a raça/cor da mãe, em todo o período, a proporção de mulheres negras foi superior a 70%”.
Hepatites B e C
Analisando casos de hepatite B segundo raça/cor, “a distribuição proporcional mostra que, em 2011, 42,4% dos casos de hepatite B notificados foram de indivíduos autodeclarados negros, sendo 34,6% pardos e 7,8% pretos. Em 2021, essa proporção foi de 62,8%, sendo 43,2% de pessoas pardas e 19,6% de pretas”.
Na proporção de casos de hepatite C segundo a raça/cor no período analisado, “observa-se que houve aumento na proporção de negros, passando de 33,3% em 2011 para 46,1% em 2021. O aumento foi de cerca de 2 pontos percentuais na proporção de autodeclarados pretos e 10,8 pontos na proporção de pardos”.
Tuberculose
Quanto à tuberculose, constatou-se a expansão da testagem para HIV/aids entre os casos novos de tuberculose (TB), assim como entre os casos novos de TB diagnosticados em pessoas pretas. 
De acordo com o documento, “tal aumento na testagem para HIV/aids entre as pessoas diagnosticadas com TB pode sugerir um reflexo da oferta universal do exame em toda a rede SUS, além do estímulo provocado pelo Ministério da Saúde ao preconizar a busca pelo diagnóstico precoce da infecção por HIV entre todas as pessoas diagnosticadas com TB.10 Essa recomendação justifica-se pela alta ocorrência de pessoas infectadas pela TB e pelo vírus HIV, assim como pelo fato de o tratamento precoce ter considerável impacto no curso clínico das duas doenças”.
Veja a publicação do Ministério da Saúde.
Foto: Peter Ilicciev/Fiocruz Imagens