“Mapeamento da Jornada das Pessoas Vivendo com HIV/Aids: do diagnóstico ao tratamento” é um levantamento inédito no Brasil, abrangendo quatro capitais: Fortaleza, Manaus, Porto Alegre e São Paulo. O estudo, desenvolvido pela Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids no Ceará (RNP+ Ceará) e pelo site Saúde Pulsando e financiado pela GlaxoSmithKline no Brasil (GSK), teve resultados apresentados na semana passada em uma apresentação, transmitida pelo canal do Saúde Pulsando no Youtube
A pesquisa, coordenada por Candice Damé e Carla Almeida, teve como desafio “traçar um panorama da trajetória das pessoas vivendo com HIV e Aids desde o diagnóstico até o tratamento, sob a perspectiva dos usuários e profissionais da saúde”. As jornadas estão repletas de culpa, luto, estigma, preconceito e vulnerabilidades.
Foram usadas duas metodologias, sendo que na primeira foram feitas 60 entrevistas em profundidade, 15 em cada praça, com dez usuários e cinco profissionais de saúde. Também foram feitos pequenos grupos de usuários, três por praça, com três pessoas em cada, em um total de 12 grupos. A amostra de usuários foi heterogênea.
Candice Damé ressaltou que, mesmo sendo apresentado por outra perspectiva, o conceito de “grupo de risco”, atualmente usado como “populações com maior risco” ou “populações chaves”, reforça o preconceito e invisibiliza o risco de outros grupos. Assim, existe a “percepção que as políticas públicas de HIV e Aids ainda estão ancoradas neste conceito (de grupos de risco) e o que percebemos é que a vulnerabilidade social pode ser um marcador de risco, que transversaliza idade, gênero, orientação sexual, faixa etária e estilo de vida”.
A pesquisadora mostrou que a jornada dos usuários que tiveram diagnóstico nos anos 80 e 90 foi marcada pelo impacto de uma doença desconhecida, como uma sentença de morte, o conceito de morte civil e preconceito, mas também definida pelo início do ativismo. Já a jornada dos usuários com diagnóstico mais recente é marcada por políticas públicas e tratamentos já consolidados, com o conceito de morte simbólica. O preconceito e o estigma permanecem, assim como o cancelamento e o adiamento dos sonhos.
A pesquisa aponta que, em mulheres cis, há muito tabu, medo e preconceito, gerando um certo enclausuramento. Para elas, o diagnóstico é tardio, assim como a busca pelo tratamento. Já para mulheres trans e travestis, o diagnóstico chega a ser algo secundário, tamanho processo de solidão e exclusão, com muitas dificuldades no uso do nome social em serviços de saúde, além de muitas dificuldades de sobrevivência. 
O estudo mapeou os caminhos do diagnóstico, considerado o primeiro grande gargalo de se viver com HIV/Aids. O diagnóstico pode ser feito por demanda espontânea; dúvida, desconfiança, percepção de risco; quadro sintomático ou doença oportunista; e pré-natal. “É uma jornada marcada por muita culpa, luto, preconceito, estigma, situações que aconteciam nos anos 80 e 90, e que seguem nos dias de hoje”, explica Candice Damé.
Os entrevistados demonstraram satisfação com o SUS, mas ainda relatam casos de preconceito e desinformação por parte dos profissionais de saúde. Há dificuldades para o profissional de saúde para compreender demandas e dificuldades dos pacientes, por exemplo. 
Entre os gargalos percebidos no sistema de saúde, estão a falta de cuidado ou de respeito na questão do sigilo sorológico; pudor na realização de testes, sobretudo na rede privada, quando outras patologias são investigadas previamente, para só depois investigar o HIV; o já mencionado preconceito dos profissionais de saúde e culpabilização do paciente sobre o diagnóstico; dificuldade de acesso a equipe multidisciplinar; falta de olhar individualizado; e política do cuidado centrada nas tecnologias biomédicas.
São muitas as transformações nas jornadas das pessoas vivendo com HIV/Aids e vários usuários relatam que o HIV funciona como um filtro social, com perda de contato entre familiares e amigos, mas que muitos rearranjos são feitos. 
O estudo ainda mostra que a adesão ao tratamento é atravessada por aspectos psíquicos, questões sociais e estruturantes, como acesso a alimentos, falta de recursos financeiros, precarização do trabalho e vergonha.
Para Candice Damé, “é possível ter qualidade de vida e longevidade ao viver com HIV, porém não é um caminho fácil”. De acordo com a pesquisadora, “Existe a ressignificação da própria vida, e a abertura de novas portas, com novas atividades, pessoas e grupos”. 

Assista à apresentação na íntegra.

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